sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Em busca de um norte

Por Marco Tulio Zanini e Carmen Pires Migueles, professores da Fundação Dom Cabral

Por que precisamos de líderes? Frequentemente, o conceito de liderança se confunde com o de fama, celebridade, prestígio e cargo hierárquico. É necessário buscar o seu real significado. E aí está: liderança é uma forma de poder que emerge da confiança recíproca entre líder e liderados, e não de uma determinação formal. Uma pessoa só se torna um líder se tiver o aval de seus liderados. Seu papel é ressignificar e criar sentido para o trabalho coletivo.

No livro que lançamos recentemente em parceria com outros autores, montamos uma coletânea de artigos que indica alguns caminhos para responder à pergunta primordial deste texto. Liderança Baseada em Valores (Editora Campus, 2009) apresenta a síntese do que cada autor pensa sobre o tema. Nele, defendemos a ideia de que líderes que agem baseados em valores são fundamentais para conduzir as empresas em cenários complexos e imprevisíveis. O que diferencia essa coletânea não é só o fato de reunir pessoas que acreditam na importância da ética e da ação baseada em valores. É, também, o fato de reunir autores que acreditam que esse é o fator que diferencia as grandes organizações das organizações comuns. A liderança não pode ser compreendida somente como uma qualidade pessoal ou como atributo de indivíduos específicos, mas como um conjunto de caminhos construído coletivamente - e que abre espaço para o novo. Esses caminhos podem surgir da excelência da governança de uma organização ou de um "pacto ético" entre pessoas em uma empresa. Algo, enfim, que sustente uma forte percepção de justiça, motivação para o trabalho e sentido.

Construir visões partilhadas da realidade é, hoje, um desafio essencial para o líder. A destruição das tradições, o culto ao individualismo e à liberdade, a defesa do pluralismo e o acolhimento da diversidade, entre outras mudanças de paradigma, reduziram as possibilidades de coerção direta de um ser humano sobre o outro. O engajamento, portanto, precisa ser construído. Mesmo para quem está empregado, há inúmeras formas de não cooperar - e elas ameaçam a sustentabilidade das organizações. Construir essa cooperação depende de dar um significado ao trabalho, de construir laços sociais entre o indivíduo e a organização (ou as pessoas dentro dela) e de perceber qual é o valor que a empresa produz para os clientes e para a sociedade como um todo.

A relevância da liderança baseada em valores aumentou ainda mais depois da crise, quando ficou claro que a meritocracia financeira descontrolada - que premia resultados de curto prazo descomprometidos com a qualidade do trabalho e com a perenidade das empresas - é capaz de fazer estragos. A solidez dos valores também provou ser essencial na transição da economia industrial para a do conhecimento, em que vigoram mecanismos de gestão baseados em consentimento e reciprocidade - distintos daqueles que se mostraram eficientes no passado.

Essas transformações apontam para uma direção: a necessidade de encontrar um processo que desperte virtudes e "ressignifique" o trabalho coletivo. A liderança baseada em valores é o elo perdido das organizações contemporâneas, especialmente quando elas se deparam com o vazio deixado pelas novas configurações sociais, tais como as demandas de curto prazo, a quebra dos laços de confiança e o predomínio das relações baseadas em interesses. Nossa experiência com diagnósticos estratégicos organizacionais mostra que essa é uma preocupação constante de gestores e dirigentes de empresas - que, cada vez mais, reconhecem a necessidade de motivar, despertar e criar sentido para as outras pessoas.

 
A liderança baseada em valores também torna as empresas mais eficientes ao reduzir os riscos da inconstância do comportamento humano. Ela motiva as pessoas a aportarem suas melhores ideias, contribuições e esforços adicionais no cumprimento de objetivos coletivos. Promove a coalizão e dá força à cooperação espontânea - que só é de fato espontânea quando existe uma relação de confiança mútua entre o líder e seus liderados.

Com valores sólidos, o líder age sobre a realidade simbólica do grupo. Ele consegue promover a unidade e definir um norte estratégico por meio do estímulo das virtudes pessoais de cada indivíduo. O líder reconhece que a formação do bom profissional não depende somente do domínio da boa técnica, e sim da construção de sua autoestima.

Motor do processo de mudança organizacional, ele move a ação coletiva espontaneamente, trazendo à tona o melhor de cada um. O resultado é que ele muda a realidade ao seu redor, aumentando os espaços de liberdade e formando indivíduos que se enxergam como capazes e responsáveis por conduzirem suas próprias rotinas e apresentarem seus resultados.

O líder com valores sólidos enxerga outras possibilidades e cria espaços de sentido, ética, realização e excelência onde a maioria das pessoas só enxerga pressão por resultados e redução de custos. É o indivíduo que, dizendo não ao fatalismo e ao pessimismo, mobiliza as pessoas na busca das soluções possíveis ou necessárias.

Na falta de outros indicadores de sucesso, temos usado a métrica financeira como a grande bússola das nossas organizações. Ao fazer isso, porém, nós destruímos as precondições para a produção de valor verdadeiro e sustentável. O líder que age baseado em valores é, de certa maneira, o antídoto para esse problema. Ele evita a armadilha dos indicadores financeiros mais rasteiros e ocupa um espaço crucial a ser preenchido nas empresas contemporâneas

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