segunda-feira, 18 de abril de 2011

Por saber escutar, ele lidera de fato

 
Ele é amigo de celebridades de Hollywood e até da Rainha da Inglaterra. Na TV brasileira, é destaque no noticiário rural, mas foi também entrevistado por Angélica para o programa Estrelas, da Rede Globo. Ainda que seja considerado “estrela”, a mensagem que traz é de humildade, e ele parece realmente viver o que apregoa: a humildade do despojamento de si para colocar-se no lugar do outro e a serviço do outro. Ele é Monty Roberts, o encantador de cavalos. Ele esteve recentemente em São Paulo, encantando e levando-nos a refletir sobre relações humanas, liderança e ensino.



Em seu livro, O Homem que ouve cavalos (ed. Bertrand Brasil), Roberts relata que a primeira das diversas surras de corrente que levou de seu pai, que resultaram em 72 fraturas de ossos, aconteceu quando ele tinha 7 anos. O menino queria mostrar ao pai criador e comerciante de cavalos selvagens (os belos mustangues), que havia feito uma descoberta: um modo não violento de doma. Mas seu pai afirmava que era preciso aplicar o medo antes de mais nada, para que os animais (e as pessoas) não se voltassem contra a autoridade mais tarde.

O pai de Monty, como ele prefere ser chamado, usava o método tradicional de doma, cujo objetivo é “quebrar” o animal até que ele, três meses após o tratamento, aceite a sela e o cavaleiro. O filho, no entanto, intuiu que deveria conhecer o cavalo antes, tentar alguma espécie de comunicação e levá-lo a desejar fazer aquilo, isto é, ser montado.

Com o tempo e uma história para lá de interessante, Monty aperfeiçoou a “doma gentil” e assumiu como missão divulgar o método, ajudando a fazer desse mundo “um lugar melhor para os cavalos e para as pessoas também”, como ele diz, pois “a violência não é a resposta”. Aos 76 anos, ele se mantém firme nesse propósito, como a audiência presente à Sociedade Hípica Paulista nos dias 25 e 26 de março pôde testemunhar. Ele chegou a aplicar sua terapia a um cavalo da Polícia Militar do Estado, que andava muito assustado e, portanto, perigoso.

Quanto a seu pai, morreu sem acreditar que a doma gentil fosse viável. Disse a Monty, mais de 30 anos após aquela primeira surra: “Isso é suicídio”. Ele parecia projetar nos animais o mal que existia dentro dele mesmo, do qual não tinha consciência.

Contribuindo para a reflexão sobre o assunto no âmbito da gestão de pessoas, Next View News ouviu o psicólogo Carlos Denis Campos Pereira, professor universitário e coordenador da escola virtual IECULT. Ele recorre à psicologia social para avaliar os estilos tanto de Monty como de seu pai e seu impacto sobre indivíduos e organizações. Segundo Pereira, ainda temos de lutar para que a felicidade no trabalho se torne um valor real na empresa brasileira.
O comportamento autoritário e resistente ao novo, representado em nossa analogia pelo pai de Monty, pode ser encontrado entre os chefes que podam a criatividade e os esforços de inovação e melhoria de sua equipe, provocando ou tentando provocar o medo para obter submissão. O que pode explicar tal estilo?
Existem dois tipos estruturais de liderança: a autoritária e a democrática, e temos de situar o líder em seu contexto cultural e social. Um chefe, o pai de Monty inclusive, é reflexo de uma época, ou seja, de uma sociedade. Precisamos, para avaliar o comportamento do líder, levar em consideração o processo educacional de cada país, ou seja, o nível de valores autoritários ou democráticos que são proporcionados na formação do desenvolvimento humano daquele povo.

E no caso brasileiro? Nossas empresas estão cada vez mais se instalando em outros mercados e, relativamente a culturas europeias, por exemplo, nosso estilo de liderança é considerado autoritário, o que pode acarretar dificuldades de adaptação de nossos profissionais, sejam eles os chefes ou mesmo os subordinados.
Há um movimento global de conquista de valores democráticos. No Brasil, estamos na transição de uma cultura autoritária para uma democrática. Isso implica, de um lado, uma crise de valores (dos autoritários) e, de outro, um processo de aprendizagem (da democracia). Mas ainda predomina a cultura autoritária (e a tradição), principalmente nas relações trabalhistas.

Vamos focar agora o indivíduo: se sou um funcionário e não consigo me libertar do jogo do chefe autoritário, talvez me posicionando na ponta masoquista da relação, o que pode me acontecer?
Os efeitos de uma chefia autoritária são negativos em muitos aspectos para os funcionários. Doenças graves vão se manifestando, e podem incluir diabetes, hipertensão e depressão. O indivíduo também pode se tornar agressivo para obter alívio imediato à pressão ou desenvolver compulsões, como as relacionadas à alimentação, alcoolismo, tabagismo e drogadicção.

Que recomendação daria para qualquer pessoa que se encontre em posição hierarquicamente inferior a um chefe autoritário como esse?
Eu diria: “Não se submeta a uma situação como essa, pois a vida é curta e cheia de oportunidades!” A pessoa deve procurar outro emprego ou considerar mover uma ação por assédio moral. A empresa é responsável pelos chefes que mantém.

Monty prefere conhecer o outro, escutá-lo, encontrar um canal de comunicação amável e eficaz e relacionar-se com esse outro até que ele escolha Monty como líder. Isso me lembra o exemplo da W.L. Gore, uma empresa norte-americana na qual os líderes são naturalmente indicados pela equipe, em vez de nomeados de cima para baixo. Aos olhos do espectador de uma apresentação de Monty, tudo parece fácil, pois em 15 minutos o cavalo o segue sem nenhum laço ou rédea frouxa que seja. E o treinador confirma: “É fácil mesmo!”. Essa abordagem torna as coisas mais simples de fato?
O exemplo de Monty deve ser colocado em prática em nossas vidas. Na Psicologia, Jacob Levy Moreno disse, em 1914, que, para eu conhecer uma pessoa, tenho de arrancar seus olhos e colocá-los no lugar dos meus, olhar o outro com os olhos dele. É uma metáfora muito interessante que devemos tentar exercitar. Nós nos relacionamos com o outro somente a partir de nosso olhar. Não conseguimos nos teletransportar para o lugar do outro. Aplicando ao mundo do trabalho, se o chefe conseguir olhar seu funcionário com os olhos dele, algo diferente irá acontecer. Uma relação empática não é sem efeitos. Por outro lado, ambas as partes têm responsabilidades e não se trata de um processo do tipo laissez-faire, deixa “rolar”. A empresa ganhará em produtividade, colaboração e crescimento, com responsabilidade e ética.
Monty afirmou em sua apresentação: “Não existe isso de ensinar, mas sim de aprender. Se você é professor, sua obrigação é criar o ambiente do aprendizado”. Os profissionais de RH e os gestores de pessoas do Brasil, em termos gerais, já sabem como facilitar o aprendizado?
A sociedade moderna global, desde a passagem do feudalismo para o capitalismo, é uma realidade disciplinar, ou seja, da “rédea firme”. Acredito que ainda não temos, nas empresas, uma cultura que realmente favoreça as experiências como a de Monty. Mas, é uma tendência, sem dúvida. Uma utopia que vem se tornando realidade a cada dia. Vamos transformar nossos ambientes disciplinares e autoritários em ambientes colaborativos e experimentais, onde as pessoas vão aprender mais do que ensinar, mais do que mandar e obedecer! Vamos criar mais e obedecer menos! Assim, a felicidade será um valor no trabalho. No lugar da doença como sintoma do trabalho, teremos um pouco de realização e reconhecimento.

Só “um pouco” de realização?
É, a realidade é dura. Temos de continuar lutando para conquistar!


A entrevista é de Alexandra Delfino de Sousa.

Fonte: Nextview People (http://www.nextviewpeople.com.br/)


Portal HSM

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